O Globo, O Pais, p.12
14 de Out de 2005
Rios secos, população sem remédios e comida
BELÉM - Mordido por uma cobra na área rural de Manaquiri, no Amazonas, um agricultor precisou ser transportado a pé pelo leito seco do rio até a sede do município, onde só chegou horas depois. Foi socorrido em tempo, mas, segundo o prefeito Jair Souto, o caso dá uma idéia das dificuldades enfrentadas pelas 16 mil pessoas que moram na zona rural de Manaquiri e dos habitantes de outras cidades afetadas pela seca no estado.
- Foi sorte ele não ter morrido - disse o prefeito.
Souto informou que cerca de 90% dos peixes dos rios da região já morreram, afetando diretamente as duas mil pessoas que vivem exclusivamente da pesca na região. Com a morte dos peixes, os lagos estão contaminados.
A prioridade da prefeitura agora é conseguir alimentos, água potável e remédios. Na quinta-feira, o prefeito ordenou a abertura de trilhas em busca de água potável. Elas vão servir também para diminuir a distância entre as comunidades mais isoladas e o centro da cidade.
O primeiro carregamento de cestas básicas e remédios para as vítimas da seca será entregue pelo governo do Amazonas a partir desta sexta-feira. Os produtos serão transportados por balsas até os centros de distribuição - Tabatinga (AM), Cruzeiro do Sul (AC), Eirunepé (AM) e Parintins (AM) e de lá, em barcos menores, para Anamã, Anori, Caapiranga, Manaquiri, Manacapuru, Careiro Castanho e Careiro da Várzea, onde em alguns pontos ainda é possível fazer a rota fluvial.
Segundo o Comando Militar da Amazônia, os barcos só conseguem chegar até determinado ponto dos rios. De lá o carregamento seguirá em helicópteros das Forças Armadas. Mais de 900 pequenas comunidades serão atendidas. A operação contará com 700 homens, entre eles 200 do Corpo de Bombeiros e 300 da PM.
A seca provocou a perda da produção da fécula de mandioca, uma das principais fontes de renda de Manaquiri. Segundo o prefeito, a saca que custava R$ 20 é vendida agora por R$ 100. O quilo do frango pulou de R$ 2 para R$ 5.
A prefeitura espera pelas 2.500 cestas básicas e dez mil litros de combustível. Os 68 agentes de saúde, a pé, visitam as famílias com hipoclorito de sódio para tornar potável a água das residências.
- Perdemos grande parte de nossa reserva natural e quase todo o nosso estoque de peixes. Precisamos de toda a ajuda possível - diz Souto.
Em Anamã, a 168 quilômetros de Manaus, o lago que abastece a localidade já perdeu mais de 80% de seu volume, afetando a pesca, principal fonte econômica de 14 comunidades. O município está em calamidade pública.
- Tudo aqui chega de barco. Agora é feito a pé. E já começa a faltar água potável - disse o prefeito Luiz Brandão.
A pecuária também começa a ser atingida. Em alguns municípios, cerca de 20% do rebanho já morreu. Na pesca, já am de três toneladas de peixes mortos.
O plano de distribuição de alimentos e remédios foi estabelecido após um sobrevôo feito pelo governador do Amazonas, Eduardo Braga, e por militares. A intenção era observar quais as comunidades permitem o pouso de helicópteros e aviões de pequeno porte. As famílias receberão 12 itens: arroz, farinha, feijão, macarrão, leite, açúcar, biscoito, café, óleo comestível, sal, leite e charque. A quantidade é para um mês. Serão distribuídas 50 mil cestas básicas em três meses.
Área ambiental sofre sem dinheiro
BRASÍLIA. A contenção nos gastos do governo também atingiu a área ambiental. Do início do ano até o mês de setembro, apenas 21,09% do dinheiro já autorizado para investimentos em projetos de preservação das florestas e da biodiversidade haviam sido liberados, segundo mostra levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) na execução orçamentária do Ministério do Meio Ambiente.
Especialistas dizem que, além dos fenômenos climáticos mundiais, o descontrole sobre o desmatamento da floresta amazônica também pode ter contribuído para a seca - a retirada das árvores reduz a umidade do ar, por aumentar a penetração da luz solar na vegetação. Até agora, 16 municípios declararam estado de calamidade pública. A seca já dura dois meses e o fantasma da fome começa a assombrar a população ribeirinha, que não consegue plantar nem pescar.
- Os recursos liberados são escassos, o que mostra que o modelo agroexportador predomina sobre os programas de preservação da floresta - analisa Ricardo Verdun, assessor de políticas indígena e ambiental do Inesc.
O instituto diz que, entre os programas prejudicados, está o Amazônia Sustentável, que até setembro havia recebido apenas 6,72% dos mais de R$ 60 milhões já autorizados. O projeto tem objetivo de implantar um modelo econômico que concilie o desenvolvimento dos municípios e a preservação do meio ambiente.
O levantamento mostra ainda que o Programa Nacional de Florestas, com R$ 36,62 milhões autorizados para gastos, só teve liquidados 8,76% desse total. O governo foi um pouco mais generoso com o programa Prevenção e Combate ao Desmatamento, Queimadas e Incêndios Florestais, mas foram liberados menos da metade (44,86%) dos recursos já autorizados.
As ONGs que fiscalizam a execução orçamentária do governo reclamam que, em nome do aperto fiscal, o Ministério do Meio Ambiente foi relegado a um papel coadjuvante em relação aos demais.
- Enquanto isso, a ocupação da floresta e a ação das madeireiras continuam a crescer - diz Verdun.
O Globo, 14/10/2005 p. 12
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.