OESP, Economia, p. B4
10 de Jul de 2007
Ibama destaca preservação de bagres
Regras para a liberação das licenças incluem cuidado especial com as quase 500 espécies de peixes encontradas no rio
João Domingos e Leonardo Goy
As licenças prévias para as Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, foram concedidas à Furnas Centrais Elétricas, que as requereu. Valem por dois anos e estão condicionadas a 33 exigências, principalmente em relação ao transporte de sedimentos (visto que o Madeira carrega muito barro e cerca de 1% de cascalho), controle de mercúrio (mineral muito presente no leito do rio) e garantia de que os grandes bagres (como dourada e piramutaba e outras espécies de peixes) possam ter um canal de agem para subir o rio durante a fase de reprodução.
De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), foram encontradas 498 espécies de peixes no Madeira. Mas não há uma certeza de que são todos de lá ou se apenas utilizam o rio em alguma fase do ano.
'A rigor, os estudos sobre as espécies que vivem nos rios da Amazônia são muito precários', reconheceu o presidente interino do Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Bazileu Margarido.
De qualquer forma, quem vencer o leilão para dar início às obras das usinas do Madeira terá de construir um centro de reprodução da ictiofauna (relativa ao estudo dos peixes). Se os grandes bagres e outras espécies encontrarem dificuldades para subir duas rampas laterais que serão construídas ao lado dos vertedouros, o centro cuidará de repovoar o rio.
LEITO NORMAL
Também será exigida a retirada das muralhas a serem construídas para que a área fique seca enquanto a obra é tocada. Com as chamadas ensecadeiras, existe a possibilidade de que o cascalho fique preso e vá formando um paredão ao lado, prejudicando em pouco tempo a agem de água e danificando as turbinas das hidrelétricas. Tiradas as muralhas, será possibilitada a agem do cascalho, como se o rio continuasse a fazer o transporte dentro de seu leito normal.
Também será exigido das concessionárias das usinas hidrelétricas que monitorem a quantidade e o transporte de mercúrio existente nos igarapés da região.
Terão de observar se não haverá surtos epidemiológicos que possam atingir as comunidades que vivem próximas às áreas das usinas, além da possibilidade de aumento do número de morcegos hematófagos e de pragas que possam surgir em virtude do desmatamento.
Algumas exigências são simples. As concessionárias terão de detalhar a metodologia da captura, triagem e soltura de animais das áreas dos lagos, monitorar as populações da tartaruga-da-amazônia e do jacaré-açu e construir um herbáreo e um banco de germoplasma para preservar as espécies da flora prejudicadas pelos lagos.
TOXINAS
Também será exigido o desmatamento da área a ser alagada. Com isso, busca-se evitar o que aconteceu, por exemplo, com o Lago de Tucuruí - originado do represamento do Rio Tocantins, no sul do Pará, para a usina de mesmo nome -, onde as árvores não foram retiradas da extensa área inundada, o que provocou desequilíbrio ecológico por causa da liberação de toxinas pelas madeiras que apodrecem dentro da água.
As concessionárias também terão de fazer a compensação de nutrientes para garantir a vida animal e vegetal do Rio Madeira, nos igarapés e lagos tributários localizados rio abaixo dos empreendimentos, um plano de controle da malária - bem comum na região - e preservar a área tombada da antiga Ferrovia Madeira-Mamoré.
PRINCIPAIS EXIGÊNCIAS
Relatório: Detalhar todos os planos, programas, medidas mitigadoras e de controle feitos pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
agem: Fazer o projeto de forma que sejam permitida a agem dos sedimentos, ovos, larvas e peixes jovens pelas turbinas e vertedouros de água
Monitoramento: Realizar em no máximo dois meses, a partir da do contrato de concessão de uso, monitoramento da deriva de ovos, larvas e peixes jovens de grandes bagres, como dourada, piramutaba e babão, além de tambaqui para avaliar a taxa de mortalidade
Controle: Também em dois meses, monitorar o mercúrio
existentes nos igarapés da região
Saúde: Ainda no mesmo prazo fazer o monitoramento epidemiológico das comunidades que vivem próximas às áreas
das usinas, raiva causada por morcegos hematófagos e aumento de pragas em virtude do desmatament. Será preciso também apresentar um plano de controle da malária.
agem: Construir dois canais seminaturais ao lado das
usinas para possibilitar a agem dos peixes que sobem o rio para reproduzir
Fauna: Fazer um projeto de reprodução dos peixes e outras espécies nos próprios lagos e monitorar a população da tartaruga-da -amazônia e do jacaré-açu
Método: Detalhar a metodologia da captura, triagem e soltura de animais
Flora: Construir um herbáreo e um banco de germoplasma para preservar as espécies da flora prejudicadas pelos lagos e fazer o plantio de espécies típicas da região
Desmatamento: Desmatar a área a ser alagada
Garantia: Certificar a madeira removida
Equilíbrio: Fazer programa de compensação de nutrientes, sobre a vida animal e vegetal do Madeira, nos igarapés e lagos tributários localizados rio abaixo dos empreendimentos
Tombamento: Preservar a área tombada da Ferrovia
Madeira-Mamoré
Balanço: Apresentar relatórios trimestrais sobre as
providências tomadas
Ambientalistas criticam concessão das licenças
Andrea Vialli
A liberação das licenças ambientais para a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, não agradou aos ambientalistas, que consideram as obras de grande impacto ambiental, apesar da fonte hidrelétrica ser considerada limpa.
Para Karen Suassuna, da área de energia da ONG WWF, a liberação das licenças, seguidas da decisão do governo de retomar a construção da usina nuclear de Angra 3, mostra a prioridade dada pelo governo federal às grandes obras.
'Fica claro que o governo prioriza grandes e polêmicas obras. Não se vê semelhante disposição em desburocratizar usinas de fontes renováveis, nem um plano mais audacioso de eficiência energética.' Segundo ela, fontes como eólica, biomassa e solar não recebem a mesma atenção no planejamento estratégico do Ministério de Minas e Energia. 'Dados de 2005 mostram que, só com biomassa de cana-de-açúcar, poderíamos gerar 8.000 MW, o que já é uma hidrelétrica do Madeira. Hoje, entram na rede elétrica apenas 1.500 MW de energia gerada a partir dessa fonte.' O Brasil teria ainda potencial para gerar 143 GW de energia eólica, mas falta um firme compromisso de compra dessa energia por parte do governo.
São esperadas para hoje manifestações oficiais de outras organizações ambientais, como Greenpeace e Amigos da Terra.
Tolmasquim vê risco para investidor
Para executivo da EPE, falta definir valor para compensação ambiental
Nicola Pamplona
Apesar de comemorar a licença das usinas do Rio Madeira, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, lamentou a falta de definição sobre o valor da compensação ambiental da obra. 'Isso pode gerar um risco para o investidor', disse. Normalmente, o órgão licenciador fixa um porcentual sobre o custo das obras para ser destinado a compensações ambientais. 'Teremos de sentar e conversar a respeito com o Ibama.'
Tolmasquim disse ainda que não espera que os projetos enfrentem grandes dificuldades na Justiça, como vem ocorrendo com a hidrelétrica de Estreito, no Tocantins. A usina já tem a licença prévia, mas foi alvo de duas liminares judiciais que atrapalham o início das obras.
Trata-se de um dos maiores empreendimentos em curso no setor, com mais de mil megawatt (MW) de potência. 'As usinas do Madeira não estão imunes a isso, mas são projetos mais fortes, pois o processo de licenciamento foi bem criterioso.'
As usinas devem entrar em operação a partir do fim de 2012 e, cumpridos os prazos previstos pelo governo, a tendência é de que o preço da energia sofra redução substancial no período. Além dos 6,4 mil MW do Madeira, está previsto o início das operações de Angra 3, com 1,3 mil MW, o que representa um dos maiores blocos de energia a entrar em operação em curto espaço de tempo. 'Quando um bloco de energia desse tamanho entra, a tendência é de redução no custo marginal de operação do sistema elétrico.'
Atualmente, há grande temor no mercado com o preço da energia, uma vez que, entre o fim desta década e o início da próxima, a tendência é de que o sistema demande fontes mais caras de energia, como a térmica, por falta de grandes projetos hidrelétricos. Tolmasquim afirmou que o abastecimento nesse período, porém, será garantido com leilões de ajuste da oferta, que terão outras fontes de energia.
Para o professor do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ Nivalde de Castro, o licenciamento do Rio Madeira representa um grande o rumo ao imenso potencial hidrelétrico a explorar na Amazônia.
'Sinaliza o destravamento da questão ambiental, o avanço da fronteira elétrica para a região Norte.' Segundo ele, há um potencial de quase 180 mil MW nos rios da região, que não vinham sendo explorados.
OESP, 10/07/2007, Economia, p. B4
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