VOLTAR

A cobiça pelo subsolo

CB, Brasil, p. 14
19 de Abr de 2005

A cobiça pelo subsolo
Governo Lula prepara projeto que autoriza atividade mineral em terras indígenas. Quase seis mil pedidos de pesquisa já foram encaminhados ao DNPM por empresas interessadas em explorar riquezas das reservas

Clarissa Lima
Da equipe do Correio

Depois de quitar uma dívida de mais de 30 anos com os índios brasileiros com a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, o governo federal prepara-se para dar solução a outro problema histórico: a liberação da exploração mineral em áreas indígenas. Também envolvida em polêmica, a regulamentação do artigo 231 da Constituição, que aborda o tema da mineração, pode render muito dinheiro a índios e brancos pelas próximas décadas. Em um território de pouco mais de um milhão de quilômetros quadrados de terras indígenas, que correspondem a 12% do território nacional, estão localizados regiões com grande potencial mineral, especialmente ouro, cobre, diamante e ametista.
O que não faltam são interessados nesta mina. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) já recebeu um total de 5.970 pedidos de alvarás de pesquisas em terras ocupadas pelos índios. Até agora, nada foi liberado porque a autorização da atividade mineral nas reservas, prevista desde 1988, precisa de uma lei complementar que a regulamente para que comece a valer.
De acordo com levantamento do Instituto Socio-Ambiental (ISA), realizado até 1998, pouco mais de 70% dos pedidos são para pesquisa de ouro. Entre eles, pesos pesados de grandes mineradoras, como a Companhia Vale do Rio Doce, que deu entrada em 370 requerimentos junto ao DNPM. A reserva Yanomami é a mais disputada. São 712 pedidos de exploração das reservas, conforme pesquisa do ISA. Outras áreas de grande interesse são as do Alto Rio Negro (AM), Mundurucu (PA, AM e MT), Baú (PA), Roosevelt (RO) e Raposa Serra do Sol (RR), todas concentradas na Amazônia Legal.
A liberação para exploração em áreas indígenas patina nos gabinetes federais há exatos 17 anos. Em 2004, após a morte de dezenas de garimpeiros no parque Aripuanã, na reserva Roosevelt, devido à disputa pela exploração de diamantes, o governo federal decidiu criar uma comissão interministerial formada pelos ministérios de Minas e Energia e da Justiça, além do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, para resolver o problema. "Como não existe lei, a área de conflito é permanente. Nosso interesse é que a extração mineral nas reservas seja legalizada, o que trará benefícios para os índios e para o país", afirma o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, Giles Carriconde.
Novo modelo
A proposta de lei prevê um novo modelo de concessão para exploração mineral no país, a ser adotado apenas para as reservas indígenas. Uma comissão formada pelos ministérios das Minas e Energia e da Justiça, bem como Funai e representantes dos índios, decidiria as áreas em cada reserva que poderiam ser exploradas, qual o minério seria extraído e por quanto tempo. Estes territórios seriam aprovados pelo Congresso Nacional para, em seguida, serem levados à leilão entre os interessados. Este modelo é similar ao adotado nas licitações de áreas para exploração de petróleo e gás natural no país. O governo federal espera fechar o texto do projeto de lei autorizando a mineração em reservas indígenas até o final deste semestre.
O objetivo é que sejam respeitados os locais de residência dos índios e as áreas utilizadas para agricultura de subsistência, por exemplo. Para se ter idéia, no Parque Aripuanã, onde os garimpeiros foram assassinados em 2004, os 181 pedidos de pesquisa para diversos minérios, em especial o diamante, atingem quase a totalidade da área.
Atualmente, a concessão de direito para atividade mineral segue o critério da antigüidade. Ganha o direito de explorar quem primeiro tiver feito o pedido no DNPM. O interessado em qualquer área entra com o pedido de pesquisa e, depois de comprovada a existência do mineral, pede para explorar a área. A nova regra de licitação que está sendo proposta irá inverter este procedimento.
Os vencedores das licitações seriam obrigados a pagar royalties aos índios e cumprir contrapartidas sociais para cada comunidade indígena também durante a fase de pesquisa, quando não há exploração mineral. "Temos que estabelecer regras justas para assegurar a participação dos índios nos resultados da lavra", afirma a secretária de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Ivete Viegas.
O valor dos royalties é outro motivo de disputa entre os integrantes da comissão governamental e parte importante para que a exploração atraia investidores. Outro assunto ainda em aberto é o critério para escolha das regiões a serem exploradas por terceiros. O governo considera inviável liberar toda a região das reservas para mineração e, por isso, estuda estabelecer procedimentos para decidir qual área seria licitada.
Decisão final
O problema é saber quem dará a palavra final. Se o Ministério de Minas e Energia, responsável pelo levantamento do potencial mineral; a Funai, que está a cargo do laudo arqueológico; ou os próprios índios, donos da terra. No Canadá, onde a exploração nestas áreas é liberada, os povos indígenas são os responsáveis pela gestão do seu potencial. Eles decidem quem irá explorar e quanto será pago às comunidades indígenas.
O modelo canadesense é que inspira a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entidade que representa mais de 160 povos indígenas. A Coiab é favorável à exploração em reservas indígenas, mas defende que as comunidades tenham o poder de decidir como será feita a extração dos minérios e quais as contrapartidas que serão garantidas, já que os recursos minerais são finitos. "Queremos que as comunidades decidam como será a partilha e que seja levado em conta aspectos ambientais. Para nós, os royalties não são suficientes", defende Gecinaldo Mawe, coordenador-geral da Coiab.
Para um dos coordenadores do ISA, o ex-presidente da Funai Márcio Santilli, a realização de leilões das áreas é a melhor alternativa para regulamentar a mineração em terras indígenas. "A licitação é uma via mais adequada, diferente do direito de prioridade estabelecido no Código Brasileiro de Mineração. Permite a concorrência e que os índios tenham condições de influir nas terras que serão colocadas à disposição", defende Santilli.
Ao liberar a mineração em áreas indígenas o governo também poderá fazer, pela primeira vez, o levantamento geológico destas áreas para saber qual o verdadeiro potencial mineral disponível nas reservas. Até hoje, não existem levantamentos disponíveis já que só os funcionários da Funai são autorizados a entrar nestas áreas. Os pedidos de pesquisa de minérios nas reservas são feitos, atualmente, a partir do potencial comprovado em áreas vizinhas. Enquanto a regulamentação não é aprovada, a polícia é a única saída para combater a exploração ilegal de minério nestas áreas.

Queremos que as comunidades decidam como será a partilha e que seja levado em conta aspectos ambientais. os royalties não são suficientes
Gecinaldo Mawe, coordenador-geral da Coiab

A licitação é uma via mais adequada, (...) permite a concorrência e que os índios tenham condições de influir nas terras que serão colocadas à disposição
Márcio Santilli, coodenador do Instituto Sócio-Ambiental

O número
712 é o número de requerimentos ao DNPM para exploração mineral na área Yanomami, em Roraima

Melhores do mundo

A matança de garimpeiros na reserva Roosevelt pelos índios cinta-largas, em 2004, serviu para revelar que a área pode abrigar um dos melhores diamantes do mundo. Em fevereiro deste ano, por meio de uma medida provisória, a Caixa Econômica Federal foi autorizada a realizar um leilão dos diamantes já colhidos pelos índios cintas-larga.
O resultado surpreendeu os técnicos do governo federal. Foram vendidos 665 quilates de diamantes a um preço médio de US$ 414 por quilate. Este valor é superior ao valor médio dos diamantes gemas extraídos da Namíbia, tido como um dos melhores do mundo e cotado a US$ 305,21. O valor pago pelos diamantes de Roosevelt, superior ao comercializado para comerciantes ilegais, pode ter sido ainda maior, já que existiam lotes de pedras defeituosas.
O montante de pedras recolhidas, no entanto, foi abaixo das expectativas. Segundo o governo federal, a baixa procura ocorreu devido ao pouco tempo previsto na medida provisória para a entrega dos diamantes, apenas 15 dias.
Produção
O Brasil é atualmente o 9o maior produtor de diamantes do mundo e responde por 0,4% do total extraído. São produzidos, anualmente, 400 mil quilates, a maioria retirada nas áreas de Juína (MT) e Coromandel (MG). O valor médio das pedras extraídas em território nacional é de apenas US$ 95,20.
O bom resultado do leilão das pedras extraídas em Roosevelt é explicado pelas formações geológicas próximas à reserva e já mapeadas, que apresentam formações propícias à ocorrência de diamantes. Este indício atiça os aventureiros à exploração ilegal.
Antes do leilão, ainda no ano ado, o governo federal editou um decreto autorizando a Polícia Federal a entrar na reserva e retirar máquinas utilizadas para a exploração. Um total de 40 equipamentos foram apreendidos. Em 2002, dois mil motores e outros equipamentos em uma área de oito quilômetros quadrados de extensão foram encontrados na área.
Ontem, uma equipe do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em parceria com a Polícia Federal voltou à Roosevelt para fazer um novo sobrevôo. O objetivo é avaliar se novas máquinas estão sendo instaladas no local. (CL)

CB, 19/04/2005, Brasil, p. 14

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.