CB, Opiniao, p.11
Autor: PIMENTEL, Marcelo
17 de Out de 2005
Chico, cadê sua água?
Marcelo Pimentel
Advogado, ex-ministro do Trabalho, ministro aposentado do TST
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O presidente Lula anda ceca e meca inaugurando qualquer coisa, objetivando criar uma cortina de ferro protetora e diversionista sobre os mensalões parlamentares. Desvia o foco do embrulho porque cada dia aparece mais lixo no horizonte, que, dessa ou daquela forma, atinge ou pode atingir a turma de casa.
Essa história de desviar o velho Chico é figura lendária ou folclórica na história do Brasil. Dom Pedro II ficou de barba branca quando se meteu com essa besteira em época que buraco se cavava com enxada e o lombo do burro era o caminhão. Desistiu quando viu que a maluquice era maior que o dinheiro de que dispunha o Tesouro. E não havia inflação.
JK, que só pensou grande, ou ao largo da idéia. Viu que construir Brasília era menos sonhadora que desviar o rio que já não possui água suficiente para a aventura. Hoje, na seca, o velho Chico no seu talvegue não tem um metro e meio de calado. As barcas tipo Mississipi que por ele navegam já não podem levar carga total porque o encalhe é certo. É só perguntar aos velhos timoneiros quantas vezes já encalharam para ver o problema do assoreamento a que ponto chegou.
E insiste-se na aventurosa tentativa que está na cara é meramente eleitoreira e oportunista. Só estão a favor dela o presidente e os estados que, pretensamente, poderão receber água, isto é, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Tudo por meio de novo canal do trabalhador, aquele rego que o Ciro Gomes construiu para levar água para Fortaleza e que hoje só leva poeira. Açudes perto da capital tornaram ocioso e sem finalidade o canal.
As barragens ao longo do velho Chico padecem ciclicamente de falta dágua. Será que o fato é tão fugaz para que não se recorde que, há pouco, Sobradinho estava emitindo sinais de S.O.S. com seu nível chegando a nada? Dizem que só vão desviar 1,4% da capacidade. Pilhéria fora de hora.
Já esclareceram, por acaso, que a Petrobras tem encontrado água abundante no subsolo? Falta petróleo, mas água tem, que é objeto valiosíssimo hoje e mais no futuro. Não seria o caso de, complementarmente ao programa de cisternas, começar a aproveitar racionalmente essa água? E dessalinizar a água encontrada mais na superfície, que é salobra?
Alterar o curso do São Francisco seria programa para início de governo. O sr. Lula não pode começar em final de governo cataclisma que vai custar colossal fortuna, com êxito absolutamente problemático, quando, então, terá investido um trocado e legado ao seu sucessor se não for ele mesmo ônus gigantesco.
O custo do transporte no país é violento, conforme assinalei em artigo anterior. Vai influenciar negativamente as exportações das commodities, porque, a cada dia, trazê-las do Centro-Oeste para Santos tornam exorbitantes os gastos de transporte devido à buraqueira. Ninguém acha dinheiro para consertar isso, mas pretende-se empenhar o Tesouro para transpor um rio sem água para a navegação e sem potencial de produção elétrica suficiente para abastecer o Nordeste.
Claro que há gente a favor, especialmente empreiteiras, alguns bispos e governos dos estados que serão os poucos beneficiários da água, como bacias receptoras. Por que Minas e Bahia são contra? Por ambição, vaidade, egoísmo ou quejandos? Claro que não; apenas porque sabem que os seus municípios ribeirinhos vão ar necessidades quando, na seca, o rio ficar sem água, porque sem peixe já está. Ninguém possui um quadro hidrográfico honesto sobre a demanda e o custo-benefício, isto é, quanto de água poderá ser destinado em período negativo aos tais canais que serão construídos para levá-la a outras bacias. Todos viram na semana ada o timoneiro da Benjamim Guimarães procurando água para navegar e afirmando que encalhou várias vezes.
Como é possível desviar aquilo que não existe? O rio não tem água para desviar 127 metros cúbicos por segundo, salvo se pretendem esvaziar as barragens quando a vazão normal de Sobradinho estiver em 25 metros por segundo. O natural será que o rio asse por tratamento rejuvenescedor, com a reconstrução da sua proteção ciliar histórica, de modo que, em geração futura, pudesse ser pensado no problema. Isso também relativamente aos afluentes que já não possuem mais água.
Não é possível que um projeto eleitoreiro desse tipo seja levado avante sem que se respeite a opinião técnica de estados mais interessados (berços do rio) e de entidades científicas que não foram devidamente ouvidas, partindo-se de números de épocas climáticas diferentes da que estamos vivendo, embora certo que ainda remanesce hoje nas barragens água suficiente. Mas o rio está exaurido e, se a transposição estivesse feita, os canais ou estariam secos ou as barragens esvaziadas.
Não é justo que se pretenda empenhar o governo em uma obra que apenas vai incipientemente ser iniciada. O grosso será legado ao futuro, salvo se houver predestinação do sr. Lula a outro mandato, que não será também suficiente para completar a faraônica obra, que consumirá mais de uma década. E isso se houver ainda muito dinheiro.
Enquanto isso, os buracos nas estradas consumirão mais verbas que o total a ser empregado na transposição, onerando o custo do transporte, porque a situação é de calamitoso abandono. O bispo desistiu da briga. Mas eu continuo gritando: S.O.S. para o velho Chico!
CB, 17/10/2005, p. 11
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