FSP, Brasil, p. A10
14 de Out de 2005
Bird vê lacunas em projeto de transposição
Estudo do Banco Mundial lança dúvidas sobre viabilidade econômica de plano para rio São Francisco
A maior parte da demanda por água no Nordeste brasileiro pode ser atendida até 2012 sem a transposição do rio São Francisco. A conclusão é de um novo relatório do Banco Mundial que lança dúvidas sobre a viabilidade econômica do projeto e vê lacunas em sua organização institucional.
O relatório, recém-concluído por técnicos do Banco Mundial (Bird) em Brasília, faz parte de uma série de estudos sobre a questão hídrica no Brasil. Diferentemente de um parecer dado pelo banco ao governo em 2001 sobre a obra (em que a reprovava), o novo estudo não foi encomendado pelo governo.
Embora evite condenar explicitamente a integração de bacias, o documento faz diversas críticas ao plano do governo federal, apontando que algumas questões "mereceriam um tratamento mais aprofundado antes de uma decisão final sobre o projeto".
Uma das questões em aberto na transposição, segundo o banco, é a própria necessidade da obra do jeito como ela foi concebida e dentro do prazo em que o governo quer que seja executada. O relatório recomenda que, antes da integração de bacias, outras ações sejam realizadas para evitar escassez de água e garantir a segurança hídrica no Nordeste.
No curto prazo (durante os próximos cinco anos), essas ações seriam principalmente a "otimização da oferta hídrica nas bacias locais", com conclusão de obras inacabadas, e a organização dos programas de abastecimento e saneamento existentes, para evitar perdas e melhorar a oferta.
O início das obras de transposição só aparece no estudo como uma medida para médio e longo prazo (daqui a dez anos) -e, mesmo assim, só das obras "que tenham um impacto direto e objetivamente quantificável", a saber, o eixo leste da integração de bacias. O polêmico eixo norte, que deverá levar água sobretudo para projetos de irrigação intensiva, não é nem mesmo citado.
A exposição dedica um de seus capítulos a um quadro em que compara experiências internacionais e nacionais de transposição com o projeto do São Francisco.
Para avaliar a necessidade da transposição, os autores do estudo, coordenado pelo diretor de Desenvolvimento Ambiental e Social Sustentáveis do Banco Mundial no Brasil, Luiz Gabriel de Azevedo, realizaram uma simulação por computador da demanda atual por água no Nordeste setentrional. "Os resultados da simulação indicam que a maioria das demandas do Nordeste setentrional são atendidas com níveis de garantia superiores a 90% mesmo sem o PISF [programa de transposição do São Francisco]", escreveram. Isso vale até 2012.
Outra conclusão do estudo é a de que, no eixo leste, a demanda hoje já se aproxima da oferta de água, enquanto no eixo norte isso não acontecerá nem depois de 2030, se a água for destinada só a usos "urbanos e difusos", ou seja, para matar a sede da população.
A demanda por água no eixo norte só cresce além da oferta quando se levam em conta projetos de irrigação, que seriam induzidos pela transposição.
"Obras desse tipo, construídas muito além da demanda, são certamente perda de dinheiro", disse à Folha um técnico do Bird que não participou do estudo e preferiu não se identificar.
Quem paga a conta?
A principal fragilidade apontada pelo estudo do Bird no projeto diz respeito à organização institucional. Segundo o banco, o governo federal se esqueceu de combinar com os parceiros, como Estados e iniciativa privada, quem serão os usuários finais da água transposta -e, principalmente, quem vai pagar por ela, já que o alto custo da obra deve ser reado ao preço do metro cúbico.
"A irrigação, que responde por 57,4% da demanda [do projeto] não tem usuários identificados", afirmam os autores.
A falta de envolvimento maior dos Estados na obra também constitui "risco para a sustentabilidade econômica do projeto", já que a operação da integração de bacias tem custo estimado em até US$ 53 milhões por ano, segundo o Bird -uma conta a ser rateada entre os governadores.
Outro lado
Obra é prioritária e reduz pobreza, afirma ministério
Em contraposição às críticas do Banco Mundial, o Ministério da Integração Nacional afirma que o projeto de transposição do rio São Francisco é urgente e prioritário, do contrário se paralisará o desenvolvimento da região e se porá em risco, por exemplo, o abastecimento de Fortaleza (CE).
Para Francisco Sarmento, da coordenação técnica do projeto no governo, a análise de demanda de água, para uso humano exclusivamente, está correta, mas desconsidera a situação da região, onde empresários já a disputam com a população. "No caso do eixo norte, a quinta cidade de país, Fortaleza, depende da transposição. Em 2025, a projeção é que tenha 4 milhões de habitantes."
Quanto ao desenho legal do projeto, que o banco considera frouxo no quesito das responsabilidades na cobrança da água, Sarmento diz que o relatório não leva em conta a versão mais recente do plano, que incorpora um estudo de viabilidade institucional e financeira feito pela Fundação Getulio Vargas. Segundo ele, no projeto já aprovado pela ANA (Agência Nacional de Águas), estima-se em R$ 0,13 o preço médio do metro cúbico de água, cujo gerenciamento será feito por uma subsidiária da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco). Sarmento afirma que o projeto prevê a continuidade das obras hoje inacabadas.
O chefe-de-gabinete do ministério, Pedro Brito, afirmou que, embora o Banco Mundial critique aspectos do projeto de transposição no Brasil, o organismo tem apoiado projetos semelhantes em outros lugares, como em Lesoto, na África.
Defensor da transposição, o presidente do Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), Wilson Lang, disse considerar natural que não haja definição prévia dos empresários que usarão a água, dada a insegurança jurídica no país e a instabilidade de investimento federal. "O governo tem de partir na frente. Quando houver água correndo, não vai faltar interessado. Não há essa oferta de terra agriculturável no mundo."
FSP, 14/10/2005, Brasil, p. A10
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