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12 de Mai de 2025
Adaptação a mudanças climáticas tem déficit trilionário, mesmo com alta em sustentabilidade
Investimento em ESG e na economia verde se consolidam no mercado, mas ONU vê lacuna em área de resiliência
12/05/2025
João Gabriel
Foram 184 pessoas mortas, 9.300 casas destruídas, outras 104 mil danificadas e um prejuízo estimado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em quase R$ 90 bilhões com as enchentes do Rio Grande do Sul em 2024 -a maior tragédia da história do estado.
Mesmo assim, os gastos autorizados no Orçamento do governo federal para gestão de riscos e desastres diminuíram 73% do último ano para o atual.
Esse cenário ilustra um desafio que é também mundial: apesar do crescente interesse por uma economia sustentável, este movimento é puxado por investimentos em mitigação das mudanças climáticas e deixa para trás uma enorme lacuna na adaptação.
A primeira área tem como objetivo reduzir o impacto do aquecimento global, enquanto a segunda fornece os meios para tornar a vida na Terra mais resiliente a esses efeitos.
Mitigação engloba, por exemplo, diminuir a emissão de gases do efeito estufa ou ampliar a capacidade de absorção destes pelo reflorestamento.
Adaptação, por sua vez, investe em construir cidades mais resistentes aos eventos climáticos extremos ou evitar o desabastecimento de suprimentos básicos em decorrência desses episódios.
"O movimento de mudança na economia começou pela mitigação, e é absolutamente fundamental que continue. Mas em adaptação ele tem demorado mais", diz à Folha Ana Toni, CEO da COP30 -a conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas).
Globalmente, o déficit na destinação de recursos para adaptação é estimado em até US$ 359 bilhões (R$ 2,03 trilhões), segundo o Pnuma, o programa para meio ambiente da ONU.
Por outro lado, o Atlas de Desastres do Ministério do Desenvolvimento Regional mostra que o Brasil acumulou um prejuízo de R$ 432 bilhões com tragédias climáticas, entre 2014 e 2023.
A contradição está justamente no fato de que investir em adaptação é a principal forma de reduzir os custos com os eventos climáticos extremos. Um estudo do Instituto Talanoa -entidade brasileira focada em propor políticas públicas relacionadas à emergência climática- precifica essa economia.
Com base em projeções do Banco Mundial e da ONU, a instituição estima que investir R$ 100 bilhões em iniciativas de adaptação climática no Brasil até 2030 pode evitar R$ 1 trilhão em custos futuros com perdas e danos.
A realidade está bem distante: o investimento em soluções de resiliência não chegou a R$ 100 milhões em 2024.
Esse gargalo se dá por algumas razões. "Uma delas é que muita gente achou que tinha mais tempo para se adaptar", afirma Ana Toni. "Na verdade, a ciência já nos mostrava isso, a gente não tem esse tempo."
Além disso, investimentos nessa área são pulverizados, precisam ser projetados para responder às especificidades de cada região.
Por exemplo: uma empresa ou uma cidade do Sul do país precisará se adaptar para conviver com uma realidade de chuvas intensas e níveis de água mais altos. No Norte, por outro lado, a tendência é de agravamento de secas e aumento na incidência de incêndios.
Por ser regionalizado, o recurso também depende mais de políticas e interesses locais. A rede de investimentos em adaptação é, portanto, complexa e sofisticada, e seu crescimento mais demorado, como acrescenta Ana Toni.
Assim, esta área representa uma parcela pequena dentro da explosão do interesse econômico pela sustentabilidade em geral.
A Bloomberg Intelligence -serviço de análise de dados e inteligência para o mercado financeiro- projeta que os investimentos ESG (aqueles com critérios socioambientais e de governança) já mobilizam um terço dos ativos de todo o mundo e podem chegar a US$ 53 trilhões (quase R$ 300 trilhões) até o final do ano.
No Brasil, o Fundo Clima, que financia soluções ambientais, ou de R$ 634 milhões em 2023 para R$ 24,2 bilhões em 2025.
Já a primeira edição do Eco Invest, novo leilão do Tesouro Nacional que oferece linhas de "blended finance" -que combina recursos públicos e privados-, alavancou R$ 45 bilhões para projetos de sustentabilidade a partir de um aporte inicial de R$ 7 bilhões.
Por outro lado, nenhum projeto de adaptação foi apresentado nesta rodada inaugural do pregão, e apenas 0,06% dos empréstimos do Fundo Clima foram para iniciativas desta área, segundo o estudo do Instituto Talanoa.
"O paradoxo é claro: o setor privado brasileiro, embora exposto aos riscos climáticos, investe pouco em adaptação", afirma o instituto.
A destinação de recursos para adaptação precisa deixar de ser encarado como gasto a fundo perdido, e ar a ser visto como um investimento que "alivia as contas e salva vidas".
A expectativa do mercado, de ONGs e do governo é que a COP30, que acontecerá em Belém (PA), seja um marco de virada nesta percepção e possa consolidar o país como líder global em sustentabilidade.
A COP no Brasil tem como missão destravar o financiamento climático global e construir uma rota para que o mundo mobilize ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,3 trilhões) em recursos destinados a esta área até 2035.
Será também a primeira edição do evento desde que a Terra ultraou a marca de 1,5oC de temperatura acima do registrado na era pré-industrial -a última barreira, segundo cientistas, antes do mundo entrar em colapso ambiental, o que torna o tema ainda mais urgente e inadiável.
"Por isso, fica claro que a gente precisa avançar rapidamente no financiamento de adaptação", completa Ana Toni.
Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou que "a redução no orçamento de 2025 poderá ser superada via liberação de crédito extraordinário, caso seja necessário, em virtude dos fatores climáticos".
Já a pasta do Meio Ambiente e Mudança do Clima diz que cuida dos programas Cidades Resilientes e AdaptaCidades, voltados para adaptação, e que o Plano Clima tem um pilar específico para o assunto, com estratégias setoriais para áreas como agricultura e pecuária, energia, indústria, saúde e gestão de riscos e desastres.
"[O ministério] é responsável por formular as políticas de enfrentamento à mudança do clima do Brasil, em articulação com demais pastas e órgãos do governo federal. O orçamento voltado à adaptação aos impactos do aquecimento global, portanto, concentra-se sobretudo no desenvolvimento dessas políticas", diz, em nota.
O Ministério do Planejamento afirma que as decisões de alocação orçamentária levam em conta as necessidades de todos os ministérios, restrições fiscais e o cumprimento do arcabouço legal.
"[As decisões] são sempre tomadas de maneira colegiada, pela Junta de Execução Orçamentária, grupo formado pelos ministérios da Casa Civil, Fazenda, Planejamento e Gestão, ouvindo os diversos ministérios e órgãos do governo", diz a pasta.
A Folha também procurou a Casa Civil, mas não houve resposta.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/05/adaptacao-a-mudancas-cli…
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