CB, Economia, p. 21
29 de Abr de 2007
Vários responsáveis
Atraso no licenciamento ambiental para projetos de infra-estrutura não é culpa somente do Ibama. De 10 projetos pesquisados pelo Correio,apenas um - o das hidrelétricas do Rio Madeira - está parado no órgão
Mariana Mazza e Luís Osvaldo Grossmann
Da equipe do Correio
Reclamar do processo para a concessão de licenciamento ambiental está na moda. A gritaria contra o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é ampla e reúne tanto empreiteiros interessados nas obras que precisam de licença, quanto ambientalistas contrários aos empreendimentos. Opiniões à parte, todos culpam o Ibama. "A gente apanha por fazer e por não fazer", resigna-se o diretor de licenciamento ambiental do instituto, Luiz Felippe Kunz Jr, que está de saída do cargo - decisão, segundo ele, tomada antes dos últimos incidentes envolvendo o órgão.
Na prática, os processos de licenciamento ambiental são muito influenciados por decisões externas. "Não dá para demonizar o Ibama e culpá-lo pela postergação de investimentos. Têm os governos estaduais, as constantes atuações do Ministério Público, de institutos públicos e das organizações não-governamentais", reconhece o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy - a entidade representa os maiores interessados nas obras, as empresas que vão realizá-las.
O Ibama tem se defendido alegando que atualmente apenas um pedido está atrasado - o complexo hidrelétrico do Rio Madeira, em Rondônia, que inclui as usinas de Jirau e Santo Antônio. É um empreendimento relevante porque, segundo o governo, seria capaz de solucionar o risco de falta de energia elétrica a partir de 2012.
Mas essas usinas são um bom exemplo do tiroteio. De um lado, empreiteiros, e o próprio governo, reclamam da lentidão da licença - ao ponto de ter sido atribuída a Lula a declaração de que "alguns peixes querem travar o desenvolvimento do país". De outro, ONGs e o Ministério Público se queixam da celeridade - uma ação judicial questionou o suposto encurtamento de prazos entre as audiências públicas sobre as obras, e uma liminar suspendeu o processo.
Desvio de função
Em alguns casos, como na hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, ou da usina nuclear Angra 3, no Rio de Janeiro, estados, ONGs e promotores barraram até mesmo a abertura dos estudos preliminares. Em outros, o Ibama é obrigado a se envolver em questões prosaicas. Por conta de uma ação do MP da Bahia, o instituto federal terá licenciar - inclusive com estudo de impacto ambiental - a troca de local dos quiosques das praias de Salvador."Deslocar o Ibama também tem custos, porque atrapalha a avaliação dos projetos estruturantes que o Brasil tanto precisa", diz Luiz Felippe Kunz Jr.
É certo que o próprio Ibama tem sua parcela de responsabilidade nas críticas que recebe.
Afinal, como descreveu o ex-presidente Márcio Freitas pouco antes de deixar o comando do instituto, o nível de informação sobre o ambiente e as riquezas culturais no país ainda é muito baixo, principalmente na Região Amazônica, o que dificulta as análises. Além disso, só muito recentemente o Ibama vem conseguindo formar um corpo técnico em número suficiente para dar conta da grande demanda.
Ainda assim parece pouco correto imputar a um único órgão a responsabilidade pelo "atraso no desenvolvimento", como tem sido o tom das reclamações. Primeiro porque o número de licenciamentos ambientais vem crescendo há nove anos seguidos, com a única exceção de 2003. Desde 1999, ano a ano, foram 131, 145, 151 e 192. Em 2003, o número caiu para 145, mas voltou a subir a partir de 2004: 222, 237 e, no ano ado, 278.
Liberados, mas paralisados
Problemas com outras instâncias, alheias ao Ibama,emperram nove grandes obras de infra-estrutura
1 Usina de Belo Monte,no Rio Xingu (PA) - Ministério Público Federal exigiu autorização do Congresso Nacional por se tratar de região próxima a área indígena, mas não reconheceu o decreto legislativo de autorização aprovado. Além disso, tentou impedir a realização de estudos de viabilidade. Só no final de março Justiça autorizou os estudos, que devem ser concluídos até o final do ano.
2 Ferrovia Transnordestina - A licença de instalação foi concedida no ano ado, mas as obras ficaram paradas pelo descumprimento de exigências contidas na própria licença. A construção foi retomada em outubro, mas apenas em um trecho de aproximadamente 100 quilômetros, apesar da autorização ser para 637 quilômetros de via.
3 Duplicação da BR-101 no Nordeste - Autorizada em dezembro de 2004, obras só começaram no ano ado. Por enquanto, quatro quilômetros de pistas novas foram pavimentados e outros 26 terraplenados. Previsão é de que as obras estejam concluídas em 2009
4 Integração da Bacia do São Francisco - Licença dada pelo Ibama foi cassada por liminares obtidas pelo Ministério Público e por governos estaduais. Só em dezembro do ano ado as liminares, 11 no total, foram derrubadas por decisão do Supremo Tribunal Federal.
5 Angra 3 - Pendência não é ambiental. Ministério Público questiona decreto de 1975 que define local e entende que a Constituição de 1988 anulou esse decreto.
6 Perimetrais do Porto de Santos - As avenidas que desafogariam a margem direita do Porto de Santos estão licenciadas desde agosto de 2006, mas as obras não foram iniciadas devido a pendências alegadas pelo TCU. Previsão do Porto de Santos é que a construção comece neste semestre.
7 BR-163 (Cuiabá-Santarém) - O Ibama concedeu a licença prévia para 840 quilômetros. Por falta de recursos, o Departamento Nacional de Infra-estrutura em Transportes (Dnit) pediu para iniciar as obras em apenas 87 quilômetros.
8 Gasoduto Urucu-Porto Velho - Licença prévia para a construção de 550 quilômetros de gasoduto, considerado fundamental para o país, foi dada pelo Ibama em outubro de 2005. As obras, porém, não foram iniciadas.
9 BR-230 (Transamazônica) - Foi concedida a licença prévia para mil quilômetros de rodovia, mas o Dnit pediu a licença de instalação para apenas 90 quilômetros.
Sem liberação
10 Complexo do Rio Madeira (RO) - Único pedido de licença ambiental que o Ibama reconhece estar atrasado no órgão. Apesar dos conflitos e da pressão de parte do governo pela liberação, instituto quer mais prazo para avaliar os problemas de impacto no ambiente.
Competências serão definidas
Entre as medidas incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal é considerada um instrumento para reduzir o envolvimento do Ibama com os tribunais. Ela definirá as competências da União, estados e municípios na emissão de licenças ambientais e ajudará a reduzir os conflitos entre os órgãos ambientais e o Ministério Público durante processos de licenciamento de obras de infra-estrutura.
Com a regulamentação, se as conseqüências ambientais atingirem o âmbito federal, a responsabilidade pelo licenciamento é do Ibama. Caso o impacto seja estadual ou municipal, os órgãos dos estados e municípios devem cuidar da questão.
"O que pára, pára judicialmente e queremos evitar essa disputa com o Ministério Público sobre competências. É a mesma coisa que exigir da Polícia Federal, por sua eficiência demonstrada nos últimos tempos, que comece a cuidar de roubo de carros, ou que as lanchonetes em a ser fiscalizadas pela Anvisa e não pelas secretarias municipais", afirma o diretor de licenciamento ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz Jr. (MZ e LOG)
CB, 29/04/2007, Economia, p. 21
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